junho 29, 2009

“O Angélico na Filmografia de Wim Wenders & Luc Besson ”

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.” I Coríntios 13-01. O apostolo Paulo, faz menção à comunicação por meio de duas línguas distintas: a dos homens e a dos anjos. A dimensão material e espiritual, o visível e o invisível, a terra e o céu, cuja essência se encontraria somente no amor.

Em Asas do Desejo (1987) de Wim Wenders, deparamos com a fusão dessas línguas. Dois anjos: Damiel ( Bruno Ganz, de A Queda! - As Últimas Horas de Hitler) e Cassiel (Otto Sander, O tambor ), entediados, sempre acompanham os passos do continuo presente. Da visão da câmera, podemos ver os anjos em sua ausência, inalcançáveis, apenas visíveis aos inocentes olhos das crianças, num mundo em preto e branco. A narrativa contrapõe-se a vagarosidade das passagens, dentro de um magnífico enquadramento. Na Berlim arrasada do pós-guerra, num cenário cinzento de uma humanidade desiludida, Damiel e Cassiel, entre outros anjos zelam pelos mortais que batalham individualmente e em silêncio, com seus medos, angustias, dores, defrontando-se com os seus próprios muros, atravessando suas próprias pontes.
Interagindo espiritualmente, mas não podendo sentir e ver o que somente os humanos sentem e vêem, Damiel é consumido pelo desejo, ao se apaixonar pela trapezista Marion (Solveig Dommartin). Para poder tocá-la, ele deve deixar de ser anjo e tornar-se humano, perdendo sua condição imortal. Então, Damiel em seu livre arbítrio cai, não com a intenção de afrontar a Deus, pois ele nunca desejou ser Deus. Foi pelo amor intenso à criação, do desconhecido e impalpável, por amor ao mortal que ele abre mão de sua imortalidade, em busca da essência.

A paixão que sente pela trapezista é o que o arrebata da dimensão celestial, colocando-o na dimensão terrestre. Tanto Marion, quanto Damiel estão em busca de identidade, de um algo a mais que somente existir. Ela se identifica com a trapezista alemã de circo que é, e que gostaria de continuar sendo, mas não se identifica com a garçonete francesa. Já ele se identifica com os humanos, e com a vontade de sentir as percepções humanas, e não com a vida angelical. Os personagens resumem-se na dificuldade dos níveis existenciais, abordados ao longo do filme na narração do poema “Canção da Infância” (“Lied vom Kindsein”) de Handke:

“...Quando a criança era criança,
não sabia que era criança,
tudo lhe parecia ter alma,
e todas as almas eram uma...”

A assimilação dos personagens acontece devido aos conflitos internos de identidade. Refletindo na busca e aproximação de pessoas com características próximas, pelas quais se interligam. Admiravelmente, um filme poema, cuja poética foi narrada de forma mágica para o subjetivo.
O filme Angel – A (2005) de Luc Besson, não possui uma linguagem poética. Esboça sim, uma psicanálise pessoal, uma busca pelo amor próprio, um encontro com a consciência inferior, simplesmente o eu. Interpretado pelos atores Jamel Debbouze (André) e Rie Rasmussen (Ângela). Ele, um jovem trapaceiro que deve uma considerável quantia a “gângsters”. Como sabe que não irá conseguir quitar a divida, tenta soluções para se proteger. De origem marroquina, e, com um “green card “ de curinga, ele pede ajuda a embaixada dos Estados Unidos , entretanto sem sucesso. Provoca uma discussão dentro de uma delegacia, com a intenção de se abrigar atrás das grades. Também foi em vão. Resolve então, acabar com a própria vida, antes que os credores o façam. Escolhe uma das pontes mais belas de Paris, alvo rio Sena. Prestes a pular, ele nota a presença de uma bela mulher ao seu lado, entra em cena Ângela. Ela, uma loira de um metro e 80, que pula antes dele. André pula também, porém não para se matar, mas para salva-la. Ângela, na verdade é um anjo, e, nada convencional. Uma mistura de prostituta e anjo da guarda que vai transformar a vida do malandro André.
A mensagem do filme centraliza de que os seres humanos dificilmente se aceitam de forma positiva. A missão de Ângela é demonstrar a partir do seu eu interior feio e podre, o belo e puro eu interior de André. É um filme com algumas passagens engraçadas e outras emocionantes, mas sem profundidade. Possui uma bela fotografia, com diferentes intensidades e contrastes da luz em preto e branco, que realçou ainda mais Paris. Angel-A é um conto sutil num cenário moderno.


Entre as línguas dos homens e dos anjos, temos os anjos de Wenders que incorporam a imagem do esgotamento, são os andarilhos da luz de um mundo sem luz, com um desejo enorme de atribuir sentido à existência humana. O anseio de ultrapassar os limites, sonhando e acreditando no possível. No filme de Besson, temos a figura de um anjo pós-moderno, surreal se comparado aos parâmetros da Bíblia. Sendo extremamente sensual, fuma e fala palavrão, atua como terapeuta, com lições de como enfrentar a vida sem preocupações. Uma simples linguagem da existência da vida.