“Mary Ellen and Hand” de Ralph Gibson

    Reprodução Mary Ellen and Hand from “The Sonambulist” . 


“[...]Uma câmera é um dispositivo mecânico que grava um momento no tempo, mas não o significado do momento ou as emoções que evoca. Enquanto uma pintura  , por mais imperfeita que seja é uma expressão do sentimento. Uma expressão de amor. Não apenas uma cópia de algo.” (JARROLD, 2008, 14’15’’)


Esse fragmento da narrativa fílmica: “Brideshead Revisited”  (Desejo e Poder), cujo enredo passa no final da  década de 20 do século passado, demonstra para os amantes da pintura, como  a fotografia ainda não se enquadrava  como expressões artísticas. Tudo começou por volta de 1826 onde o francês Joseph Nicéphore Niépce (1765 -1833) consegui registrar as primeiras imagens fotográficas utilizando um papel tratado com cloreto de prata associado ao acido nítrico.  Em 1837, outro francês, Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) descobria a técnica da revelação, usando uma lâmina de cobre prateada tratada com vapores de iodo.

Inicialmente, a fotografia era muito limitada, com tempo de exposição extenso, o que interferia na resolução. Seu desenvolvimento deve-se ao ritmo e a expansão da sua difusão na metade do século 19, que foi determinado pelo crescimento político e social da burguesia, associando assim, uma nova estética da fotográfica devido ao avanço tecnológico.

Os primeiros fotógrafos tinham em comum a experimentação. Além de ser aplicada em serviços especializados, a fotografia, enfim, adquiriu o seu merecido lugar na arte. E foi através dela, que se originou o espetáculo chamado: Cinema, que nada mais é que uma serie de fotografias (imagens-frames) colocadas em movimento continuo. A principal característica da fotografia é o equilíbrio de luz: sombras, preto e branco, cores. Ela também interpreta uma realidade, não apenas copia.

A fotografia revolucionou todo o sistema de comunicação, se transformando na forma mais utilizada, e conseqüentemente sem limites para o mercado de trabalho, como: publicidade; moda; fotojornalismo; editorial; autoral; cinema; subaquática; etc;  Hoje, são facilmente encontradas em museus, livros, galerias, e, é objeto de publicações artísticas.  Entre os diversos artistas da linguagem fotográfica contemporânea, encontra-se o estadunidense Ralph Gibson (1939), fotógrafo autoral que conquistou, até o momento, quinze prêmios internacionais e foi condecorado Commandeur l'Ordre des Arts et des Lettres da França e  doutor honorário da University of Maryland e da Ohio Wesleyan University. Seu primeiro contato com a fotografia foi quando serviu a Marinha Americana, evento ocorrido no final da década de cinqüenta. Após o serviço militar, estudou pintura e fotografia no San Francisco Art Institute.  Nesse período trabalhou como assistente para Dorothea Lange[1]. Anos depois foi auxiliar de Robert Frank[2] no filme, “Me and My Brother”, 1969.

Gibson é mais conhecido por suas obras publicadas em livro, como  “The Sonambulist” - 1970, que narra um conto estranho de um sonâmbulo, através de fotos em preto e branco; abstratas; entre o estilo surrealista e minimalista, causando as mais diversas sensações. Mais que uma força da mensagem fotográfica, uma poesia composta  pela a técnica e a expressão.

“As janelas de comunicação com o outro mundo criam outras janelas, que deixam ver a paisagem interior de cada personagem.” (SARTRE, 2009, p.19) Na foto Mary Ellen and Hand, deparamos com uma janela aberta ao observador que desafia a mistura de sonho e realidade dentro de uma dramatização estática e móvel em sentimentos, entre um instante. A foto ultrapassa os limites técnicos à procura da intensidade da representação com movimento próprio do cinema. Reflete um jogo de imaginação cuja procura está além de uma mensagem, talvez oculta, na intenção.

Se na fotografia de um rosto houver um mínimo de contraste entre a parte  iluminada e aquela que está na sombra, é possível fazer qualquer coisa desse contraste: aumentá-lo até termos uma imagem em alto-contraste, em que a sombra é negra e a luz, branca.  ( MOURA, 1999, p.308)

A fotometragem parcial na gradação da luz entre o toque das mãos até a face direita da personagem, no sentido diagonal, codifica o momento em que a emoção transparece. Sua dramatização é acentuada pelo fundo desfocado, e carregado de sombras. Com isso, o cenário externo passa a não ter um símbolo de importância. Como, se no momento do toque das mãos, tudo o que estivesse em volta deixasse, por um instante, de existir.

Há duas espécies de pensamento, cada qual ao mesmo tempo legitimo e necessário: o pensamento que calcula e o pensamento que medita. [...] o pensamento que medita exige às vezes um grande esforço e requer sempre um demorado treino. Reclama cuidados ainda mais delicados que qualquer outro profissão autentica. Desta forma deve saber esperar, como o camponês, que a semente germine e a espiga amadureça. (HEIDEGGER, 1966, p.166)[3]

A técnica utilizada, de certa forma, manipula a imagem do inconsciente, do fascínio e dos sonhos que fazem parte da representação surrealista. Uma atmosfera entre o real e o irreal com a inexistência substancial expressiva que conduz o observador à meditação.

O que há de verdadeiro na foto, ela é real? Ele é real? Ambos são reais? Qual a ligação entre os personagens? Que tipo de sentimento é expresso? Amor: Eros, Filéo ou Ágape? Há amor? Eles estão se despedindo ou se encontrando? O fato de  a personagem estar com a parte esquerda da face ocultada pelos seus cabelos, e o homem simplesmente representado pela mão, torna o contexto ainda mais misterioso, que transcende o tempo-espaço, já que o mistério é continuo. 

O toque é o instante decisivo, o grito da imagem silenciosa. É nítida a ação de um sentimento, mas impossível de decifrá-lo, talvez aproximá-lo, já que o resultado muda de acordo com a percepção do receptor, em um estado atemporal.

REFERÊNCIAS

BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao Pensar. Petrópolis: Vozes, 1987

SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro paredes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. 5º Ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.

McLUHAN, Marshal Herbert. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1971.

MOURA, Edgar. 50 anos Luz Câmera e Ação. São Paulo: Senac, 1999.

JARROLD, Julian . 2008; 133 min.


[1] (1895 -1965) foi uma fotógrafa estadunidense autora da fotografia "Mãe Emigrante", de 1936.
[2] (1924) nascido  em Zurique , na Suíça , é uma figura importante no campo da fotografia e cinema. O seu melhor trabalho foi influenciado pelo período de pós-guerra, o livro de fotografias “Os norte-americanos”, 1958.
[3] Trecho do livro citado em BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao Pensar. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 142.